20.12.03

O primeiro Canto

Na hora breve da partida a chegada, ansiada no retorno da vida. O quase tudo, quase nada do que aprendi, viveu! O sonho por dentro do filme, caleidoscópio mágico onde o tempo, afinal não existe.
Impressão digital, batida do bombo popular no peito aberto, como um cálice que se oferece. A terra, a guerra, o Merlim, a fada morgana, a reportagem que mostra as faces marcadas, as roupas pobres, o "baile de máscaras" grotesco, o choque no olhar do menino, a dor da mulher na fotografia.
Afinal descobrir que se é sempre peregrino, numa terra distante ao entardecer. Abre-se o livro de colorir: tela-vida, cores, sabores, gestos, odores. Na mão a concha, a mão é uma folha! Na espinha dorsal o tronco da árvore, os braços abertos de hera a escorrer. Todas as estrelas uma a uma. O rio a correr caudalosamente, os pés na terra molhada depois da chuvada ao amanhecer. Sobretudo o espírito, flutuante, multidireccional, o fazer parte de todo e ser responsável por isso. Amar é preciso. Os fogos todos no peito, outra vez o vulcão dos sentidos. A água e o ar como elementos que nos sublimam, que nos suportam, que nos fazem flutuar. Na dança guerreira um primeiro canto, outra vez de peito aberto, a querer nascer, a querer despertar. Um grão de areia.
Então se redescobre o sítio mágico onde se revisitam todos os momentos. O Criador se revela explendorosamente: tintas e texturas inimitáveis. O despertar dos sentidos todos acima do 5º, a ausência total de números e esta matemática toda a harmonizar sons e formas geométricas em movimento. Que bom existir o sol de cada dia!

Dulce Pontes